Todas as crianças e adolescentes têm o direito de acessar, permanecer e aprender na mesma sala, na mesma escola. Com base nesse entendimento, o Supremo Tribunal Federal (STF), em dezembro de 2020, proferiu uma sentença que confirmou, por 9 votos a 2, a suspensão do Decreto 10.502, que institui a nova Política Nacional de Educação Especial.
Publicado pelo governo federal em setembro de 2020, o referido decreto prevê a matrícula de crianças e adolescentes com deficiência em classes e instituições separadas dos demais estudantes. Além de ser uma violação à Constituição Federal, a medida traz um retrocesso de décadas na educação brasileira e contraria diversas declarações internacionais e políticas nacionais.
A decisão do STF foi celebrada por educadores, gestores, famílias, organizações da sociedade civil e outros atores que atuam pela educação inclusiva e pela diversidade nas escolas. A mobilização, no entanto, está longe de terminar. Os efeitos da Política estão suspensos, mas sua confirmação ainda está pendente e os esforços devem ser mantidos até que o Decreto 10.502 seja expressamente revogado.
A vitória pela efetividade do direito à educação de qualidade para todos os estudantes só será possível se estivermos juntos. Mobilize-se em defesa à #InclusãoPraTodoMundo!
Quais são os impactos do Decreto 10.502 para a educação?
Estimula o corte de orçamento das escolas
Ao viabilizar recursos para salas e instituições especializadas, o orçamento destinado ao fortalecimento das escolas comuns passa a ser dividido com outras instituições. Sem o investimento adequado em escolas comuns inclusivas (como formação de professores, construção de espaços acessíveis e tecnologias assistivas), o Estado não honra o compromisso de torná-las cada vez mais aptas a receber todos os estudantes.
Desvaloriza a educação de qualidade
A educação inclusiva incentiva escolas e professores a ampliarem seu repertório e a desenvolverem novas habilidades para apoiar as necessidades de cada estudante. Sem a inclusão, as experiências de aprendizagem serão limitadas, permitindo o enfraquecimento da educação de qualidade para todos.
Responsabiliza estudantes pelo fracasso escolar
Não se deve partir do pressuposto de que existem estudantes que “não se beneficiam” da escola comum. Esse entendimento, além de discriminatório, exime o Estado de sua responsabilidade. O governo tem a obrigação de investir na educação inclusiva e a escola de construir todos os apoios que forem necessários para garantir o acesso, a permanência e o aprendizado de todos.
Ameaça o direito à educação
As atividades desenvolvidas nas instituições especializadas não substituem o ensino regular. No entanto, o texto do Decreto flexibiliza o direito à educação ao afirmar que alguns estudantes “não se beneficiam” da escola comum (que, como diz o nome, é o espaço que deveria ser comum a todos) e retomar as instituições segregadas como alternativa. Ou seja, o Decreto abre precedente para a exclusão escolar de todo e qualquer estudante, tenha ou não deficiência.
Incentiva a segregação sob o pretexto de dar “escolha”
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Art. 55), “Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino.” Ou seja, é dever do Estado, da família e da sociedade assegurar à criança e ao adolescente o direito à educação. Isso significa que “as possibilidades de escolha dos educandos e das famílias” devem estar dentro de alternativas de escolas regulares que estão em acordo com o ordenamento jurídico que regula a educação no país.
Desconsidera os benefícios da educação inclusiva
Todos se beneficiam diretamente da escola comum inclusiva. Sabemos, porém, que nem tudo está perfeito: há muitas melhorias a serem feitas nas escolas. Elas envolvem investimentos em salários, formação e continuidade das políticas nacionais. Contudo, tais desafios exigem respostas urgentes, criativas e bem executadas, mas não segregadas. Não há evidências que mostrem os benefícios de instituições segregadas. Por outro lado, estudos comprovam que a inclusão traz ganhos acadêmicos e socioemocionais para todos os estudantes.
Ainda precisamos agir!
- Família com filhos com e sem deficiência: converse com amigos, professores, diretores e outras famílias sobre o assunto. Cabe a todos nós o compromisso com o fortalecimento do sistema educacional inclusivo.
- Entenda o que está em jogo com a nova Política. Conheça os posicionamentos de diferentes organizações sobre o tema (como o da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down, o da Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas Autistas, o da Rede Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência e o do Escritório da ONU para Direitos Humanos).
- Assine e compartilhe a petição pela revogação do Decreto 10.502.
- Junte-se ao movimento para fortalecer a inclusão nas escolas. Faça parte e apoie iniciativas de escolas que manifestaram-se contra o Decreto, como a do grupo Interescolas.
- Assine e compartilhe a petição pela revogação do Decreto 10.502.
- Cobre dos Conselhos Municipais de Educação um posicionamento favorável à educação inclusiva.
- Atue para garantir uma gestão comprometida com o fortalecimento da educação inclusiva. Conheça posicionamentos como o da UNDIME, ANPEd e do Escritório da ONU para Direitos Humanos.
- Informe, esclareça e apoie as escolas da rede de seu município ou estado quanto aos aspectos legais da atual Política, os retrocessos em curso e o papel da administração pública na garantia dos direitos à educação e aprendizagem a todos os estudantes.
- Zele pelo alcance e cumprimento da Meta 4 do Plano Nacional de Educação.
- Divulgue boas práticas de inclusão na escola comum, fortalecendo a demanda social por uma educação cada vez mais inclusiva.
- Monitore escolas em sua rede que se utilizem do atual Decreto para recusa de matrícula aos estudantes com deficiência. Oriente-as sobre o compromisso ao direito à educação para todas as crianças e adolescentes.
- Faça parte e apoie o movimento pela educação inclusiva. Diversas organizações da sociedade civil já se manifestaram a favor da educação democrática inclusiva e contra o Decreto 10.502.
- Contribua assinando com o nome de sua organização a Carta de Repúdio ao Decreto, redigida pela Ashoka. O texto já foi assinado por mais de oitenta organizações.
Outras propostas que ameaçam a educação inclusiva
- A Coalizão Brasileira pela Educação Inclusiva é contra a aprovação do PL nº 3.179/2012, que visa alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) para regulamentar o ensino domiciliar. Em nota pública divulgada em abril de 2021, a Coalizão alerta para os potenciais impactos negativos que a regulamentação pode trazer para a educação de crianças e adolescentes com deficiência, que historicamente estiveram entre os grupos privados da garantia do direito à educação. Leia a nota na íntegra.
- Em maio de 2021, a Coalizão Brasileira pela Educação Inclusiva publicou uma nota sobre o PL nº 4.909/2020, que propõe alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) para dispor sobre o ensino bilíngue em Libras como primeira língua e Português escrito como segunda língua como uma modalidade da educação básica. O PL representa retrocesso às políticas de inclusão e aos direitos de pessoas surdas, sinalizantes ou não, ao permitir que tal modalidade de ensino seja ministrada em escolas, polos e/ou classes especiais, sem a garantia de interação com outros grupos sociais, reforçando, assim, o paradigma de segregação e discriminação. Leia a nota na íntegra.